O Ira! é uma daquelas bandas que me ativam um sentimento ruim quando alguém critica. Afinal de contas é uma banda que tem tudo aquilo que gostamos em uma banda de rock: tem peso, tem balada, raiva, sutileza, boas letras, grandes arranjos, um ótimo frontman e um histórico de brigas e polêmicas, além entre tantas outras coisas que a colocam na primeira divisão do rock brasileiro. Talvez não seja a melhor banda do país, mas certamente está entre as que mais agradam gregos e troianos, pois sempre haverá alguém para criticar Legião, Titãs, Engenheiros, Capital Inicial e por aí vai. Então quando o Ira! lança Ira, a gente tem que falar.
É que o último período criativo do Ira! havia sido cercado por polêmicas que levaram a banda a encerrar suas atividades. A boa notícia veio em 2013, quando Nasi e Edgard Scandurra se reaproximaram. Pouco tempo depois remontaram a banda – sem Gaspa e André Jung – e fizeram muitos shows. E agora lançam “Ira”, sem a característica exclamação, 13 anos depois do bom, porém polêmico, “Invisível DJ”.
E vamos com calma: O Ira! mudou um pouco. A cozinha tem outros integrantes e a dupla Nasi/Edgard está um pouco mais adulta. E isso me parece positivo, visto que talvez não seja legal para ninguém ficar parado no tempo eternamente. Mas sim, tem muito Ira! nesse disco, mesmo que de forma mais madura, como já afirmou o próprio Scandurra, que também está ansioso por apresentar os novos membros do Ira! ao público. A bateria agora está nas mãos de Evaristo Pádua e o baixo com Johnny Boy, eterno companheiro da banda, que por muitos anos os acompanhou nos violões e teclados. Boy também tocou com Nasi em seus trabalhos solo.
A pandemia não é influência para este trabalho, que teve suas gravações concluídas no final de 2019, mas os conflitos do mundo moderno podem ser encontrados em faixas como “O Homem Cordial Morreu”, “Mulheres À Frente da Tropa” e “Respostas”, um dos pontos altos do disco. O destaque eternamente positivo vai para a inigualável guitarra de Edgard Scandurra e os vocais de Nasi, que ainda acompanham as características mais charmosas da banda.
Não gosto de comparar álbuns novos com antigos, afinal cada pilar exerce um papel diferente na construção de uma história, mas é possível ouvir o disco e reconhecer facilmente que, mesmo mais caras mais maduros, “Ira” é um disco com a cara do Ira!, aquele da tão impactante exclamação.
Ouça nas mídias digitais:
Faixa à faixa:
01 – O Amor Também Faz Errar – 4m25
“O Amor Também Faz Errar” já era conhecida do público, já que foi uma das lançadas como single recentemente. A guitarra de Scandurra chama um belo classic rock de cara, mas com o andamento percebe-se algo diferente. A letra soa angustiante para quem acredita que todos podem cometer erros em nome do amor.
02 – A Nossa Amizade – 2m49
Faixa mais curta do álbum, fala de amor no contexto de duas pessoas que vivem nos limites da amizade. Com arranjos que mais remetem à jovem guarda que ao passado raivoso da banda, não encanta, mas também não desanima. E independente da intenção que se queira dar, é bom ver uma banda que tem Nasi e Edgard Scandurra lançar uma música com esse título.
03 – Respostas – 5m32
Respostas é uma das faixas que atraiu a curiosidade do público da banda para o que viria. A guitarra mais uma vez agrada muito e as duas vozes lembram os grandes momentos da banda. Para quem gosta dos gritos de Nasi e dos solos de Edgard, o final é contagiante.
04 – Mulheres à Frente da Tropa – 6m01
Esta também já havia sido lançada recentemente como single, aumentando a ansiedade do público sobre o que viria. Empoderamento feminino e enfrentamento dão o tom da letra, mostrando que o Ira! não necessariamente envelheceu, mas sim amadureceu. E os caras continuam ligados no que acontece no mundo. Voz de Edgard com um arranjo, de cara folk, muito bonito.
05 – Você Me Toca – 4m40
A sedução dá o tom da quinta faixa do álbum. “Você Me Toca” é o misto de quem cai nas garras da libido e ao mesmo tempo tenta fugir a qualquer custo. Guitarra, baixo e bateria casam perfeitamente durante toda a música.
06 – Efeito Dominó (part. Virginie) – 7m53
A longa balada “Efeito Dominó” tem a participação de Virginie (em Metrô), que repete as palavras de Nasi cantando em francês. Letra e arranjos muito bonitos, mas também muito tristes. A angustia aumenta um pouco pela duração da música, que dura quase oito minutos.
07 – Chuto Pedras e Assobio – 2m50
Mais um single revelado antes do lançamento do disco. É simples e tem clima de paz. Tem o toque “mod” que tanto inspirou Edgard Scandurra em sua carreira. Talvez a frase “meu futuro está lá atrás” não tenha sido proferida em vão.
08 – Eu Desconfio de Mim – 3m19
“Eu não sei dizer não”, repete Nasi várias vezes durante a música, sozinho ou acompanhado por Edgard. Um bom rock de arranjos simples e sem enrolação, foi uma das que mais me agradou no álbum. Passei um bom tempo do meu dia repetindo o “eu, eu, eu, eu”. Bom sinal?
09 – O Homem Cordial Morreu – 3m20
A fase final do álbum tem a boa “O Homem Cordial Morreu”, que de cara me remete a uma espécie de “Rubro Zorro” em primeira pessoa, afinal o Ira! se diz acordado para o que acontece no atual momento do mundo.
10 – A Torre – 5m37
Aí vem “A Torre”, que soturnamente encerra este álbum de inéditas do Ira! depois de tanto tempo. É uma boa forma de se encerrar um trabalho e é bom perceber que a banda ainda consiga ver além do amanhecer. Muita coisa mudou em tanto tempo, mas quando uma banda como o Ira! ainda guarda tantos resquícios do que a fez ser o que é a gente fica feliz.
Carlos Garcia
Jornalista, radialista e também criador do site “Rock no Brasil”, Garcia tem passagem por grandes rádios de São Paulo. Como bom amante de rock nacional, criou também o “Bloco Rock Brasil”, primeiro bloco de carnaval dedicado ao rock nacional.